Um texto sem tema
Um texto sem tema é um texto em que são as palavras que mandam e não o que está na cabeça do autor. As palavras vão saindo, perfilam-se na folha, umas a seguir às outras, alinhadas, sem haver qualquer significado especial, qualquer ideia condutora, qualquer mensagem a transmitir.
Um texto sem tema não serve para comunicar, não tem conteúdo.
Para que serve um texto sem tema? Dir-se-ia simplesmente que serve para deitar fora. Não é verdade que as palavras foram inventadas para que possamos comunicar uns com os outros? Ora, um texto que não tem esse objectivo certamente que é lixo.
Ah... mas o incrível é que pode haver muito mais para além do que faz sentido e do que transmitimos uns aos outros por palavras. Há o ritmo, o som, a cadência, a entoação, a possibilidade de articular de várias formas, de fazer exercícios de sonoridade ou simplesmente de brincar com as palavras, ver quais ficam bem ao lado umas das outras.
No reino dos sons, onde a palavra nasce, há toda uma dança, uma onda que flutua para além da nossa imaginação, invisível, mas presente. No reino dos sons a palavra é audível. No reino da escrita, a palavra materializa-se, lança para dentro de nós significados, evoca memórias, sabemos até qual o som que lhe diz respeito.
Então a palavra escrita é arte, é pintura, é desenho, é símbolo, tem outra vida.
Quando um texto não tem tema, só pelo facto de ser texto, mesmo que seja desconexo, difícil ou rebelde, é afinal um tema que se revela e que, por mais que queiramos que não faça sentido, há sempre o sentido intrínseco do som que nos entra pelos olhos. E por mais curioso ou inimaginável, esse som inexistente derivado da visão de uns gatafunhos tem em si o poder de accionar outras ondas dentro de nós capazes de gerar químicos que nos podem tornar saudáveis ou doentes.
Tal é, por exemplo, o poder de um texto sem tema.