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an-dando

Quando me escrevo, descrevo. Quando descrevo, estou. Quando estou, dou.

an-dando

Quando me escrevo, descrevo. Quando descrevo, estou. Quando estou, dou.

Um breve primeiro olhar

09.04.24

Lançou um breve primeiro olhar sobre a folha de papel em cima da mesa. Percebeu logo que aí havia algo muito surpreendente. Não eram as palavras, nem os números; era o que representavam. Ali estava escarrapachado, preto no branco, o drama que iria alterar a sua vida para sempre. Talvez que, para outros, essas palavras e esses números nada dissessem. Porém, para si, tinham um imenso significado. O que dizer? O que fazer? Dirigiu-se à janela e contemplou o exterior. Olhou demoradamente o imenso jardim, o buxo impecavelmente cortado, os canteiros perfeitamente desenhados, as cores das flores com uma harmonia fantástica... tudo ali era belo e perfeito no apogeu dessa Primavera. Costumava deleitar-se com essa visão, ao final da tarde, sentado no alpendre. Agora, sabia que tudo isso iria terminar. Não tinha antecipado tal desfecho. Talvez por ter estado demasiadamente confiante em si mesmo. Como poderia ter sido de outra forma? Tudo, mas tudo e todos ao seu redor se submetiam aos seus desejos e caprichos, tudo e todos se apressavam a aceitar os seus tenebrosos negócios, tudo e todos se rebaixavam quando, de uma forma insidiosa, lhes propunha esquemas fraudulentos. Batiam palmas, elogiavam a sua inteligência, a sua sagacidade e esperteza.

Regressou de novo à mesa e olhou o papel. Não havia dúvida. Ali estava escrito: “Enganas-te. 3 é igual a 3 e 1 não é igual a 3”. Como teriam descoberto? Toda a engenharia de números que tinha usado mostrava claramente, até ao mais perspicaz, que 1 era igual a 3. Quem ousava duvidar? Quem ousava agora pôr a nu o que durante tanto tempo tinha estado escondido?

Tremeu por dentro. Lá no fundo de si mesmo sabia que aquele pedaço de papel desvendava o que durante toda uma vida havia escondido. Incrédulo, percebeu que um capítulo tinha chegado ao fim.

Irritado, queimou o papel. Iria continuar o circo e seria o mais perfeito ilusionista em cena.

Porém, não foi assim. A loucura em que vivera entrou-lhe pela alma e foi-o destruindo por dentro. Passado algum tempo, não restava senão um farrapo de si.