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an-dando

Quando me escrevo, descrevo. Quando descrevo, estou. Quando estou, dou.

an-dando

Quando me escrevo, descrevo. Quando descrevo, estou. Quando estou, dou.

Inquietação

24.04.24

Esse ponto do ser onde a incerteza se alia ao temor. Sem pedir para chegar nem para ficar, vem sem ser convidada, sem aviso prévio. Aproxima-se devagar, por vezes sem que se dê por ela. Silenciosa, vai entrando e aconchegando-se em recantos insuspeitados. É no coração que gosta mais de se instalar. Aos poucos vai destronando outros que lá estão. Arreda a confiança, elimina o sossego, expulsa a tranquilidade. Vai acinzentando os dias e os jeitos habituais. Vai roubando sorrisos, diminuindo alegrias. Vive de expectativas negativas e dramas por concretizar.

Não costuma vir de dentro para fora, mas de fora para dentro. É dentro que pode ser sentida e é de dentro que pode ser banida.

Contraria-se com gratidão e com esperança. Juntam-se pedacinhos de brilho do sol, do cantar de um passarinho, de um azul que se desvenda por entre nuvens... Vai-se soltando com o efeito de uma partilha sincera, por vezes até banhada, e acaba por desistir quando se vê cercada por um forte abraço e um ombro onde ela não tem qualquer lugar.

Inquieta

24.04.24

É o vazio que me inquieta.

O vazio e o silêncio. O nada. O vácuo. O não ser.

O infinito de possibilidades.

 

A invisibilidade de uma molécula,

De uma bactéria, de um vírus.

Tudo o que é para além de mim e também em mim.

O que não abarco, não entendo, nem controlo.

 

É o todo que me inquieta.

O grande, o imenso, o inalcançável, o imensurável.

O negro, o fundo, o escuro, o indecifrável.

Nada outra vez.

O suspiro, o grito, o ribombar e o estrondo.

 

É a prisão que me inquieta.

A imprevisibilidade e a falta.

O vislumbre do míssil, da luta, da guerra, do sangue, do drama e do terror.

Da calamidade.

Saber da fome, da miséria, da lama e da podridão.

A limitação.

A ilusão do poder e da falta dele.

 

Inquieta-me

A manifestação implacável

Do lado mais negro da espécie a que pertenço.

A propósito de olhares - II

09.04.24

Não sou de primeiros olhares. Fustigada pela vida, dorida por desenganos, agora desacredito. Talvez tenha deixado de ser ingénua.... Realmente não sei se as experiências que vivi me ensinam ou me enganam. Tomo a floresta por uma única árvore, como se tudo fosse igual. 

A propósito de olhares - I

09.04.24

Não sei na verdade se tudo começou naquele primeiro olhar. Parece-me que, antes mesmo do olhar, houve como que uma intuição, algo indefinível que levou a que o meu olhar se movesse naquela direcção. A questão é mesmo essa: qual a razão que leva a que os meus olhos se movam num determinado sentido e não noutro? Quando vagueio pela rua, sem destino e sem propósito, onde me levam os meus olhos? Porque me detenho numa flor e não na sua vizinha logo ali ao lado? Porque, de entre tudo o que está no âmbito do meu olhar, os meus olhos escolhem ou poisam num determinado pormenor? Não tenho qualquer explicação para estes factos. No entanto, os meus olhos podem levar-me a tomar um determinado sentido. Pergunto novamente: Serão realmente os meus olhos ou algo mais subtil, mais indefinível, mais inexplicável? Ainda mais: será que os meus olhos têm a capacidade de, com o seu foco, determinarem o meu dia de amanhã, o meu futuro? Onde me detenho? O que procuro? A que dou valor, intenção? O que vejo por detrás daquilo que olho? Vejo a flor ou vejo a Primavera? Vejo a rua ou vejo o caminho?

Oh porque é que é tudo tão complexo dentro de mim?

Um breve primeiro olhar

09.04.24

Lançou um breve primeiro olhar sobre a folha de papel em cima da mesa. Percebeu logo que aí havia algo muito surpreendente. Não eram as palavras, nem os números; era o que representavam. Ali estava escarrapachado, preto no branco, o drama que iria alterar a sua vida para sempre. Talvez que, para outros, essas palavras e esses números nada dissessem. Porém, para si, tinham um imenso significado. O que dizer? O que fazer? Dirigiu-se à janela e contemplou o exterior. Olhou demoradamente o imenso jardim, o buxo impecavelmente cortado, os canteiros perfeitamente desenhados, as cores das flores com uma harmonia fantástica... tudo ali era belo e perfeito no apogeu dessa Primavera. Costumava deleitar-se com essa visão, ao final da tarde, sentado no alpendre. Agora, sabia que tudo isso iria terminar. Não tinha antecipado tal desfecho. Talvez por ter estado demasiadamente confiante em si mesmo. Como poderia ter sido de outra forma? Tudo, mas tudo e todos ao seu redor se submetiam aos seus desejos e caprichos, tudo e todos se apressavam a aceitar os seus tenebrosos negócios, tudo e todos se rebaixavam quando, de uma forma insidiosa, lhes propunha esquemas fraudulentos. Batiam palmas, elogiavam a sua inteligência, a sua sagacidade e esperteza.

Regressou de novo à mesa e olhou o papel. Não havia dúvida. Ali estava escrito: “Enganas-te. 3 é igual a 3 e 1 não é igual a 3”. Como teriam descoberto? Toda a engenharia de números que tinha usado mostrava claramente, até ao mais perspicaz, que 1 era igual a 3. Quem ousava duvidar? Quem ousava agora pôr a nu o que durante tanto tempo tinha estado escondido?

Tremeu por dentro. Lá no fundo de si mesmo sabia que aquele pedaço de papel desvendava o que durante toda uma vida havia escondido. Incrédulo, percebeu que um capítulo tinha chegado ao fim.

Irritado, queimou o papel. Iria continuar o circo e seria o mais perfeito ilusionista em cena.

Porém, não foi assim. A loucura em que vivera entrou-lhe pela alma e foi-o destruindo por dentro. Passado algum tempo, não restava senão um farrapo de si.

NUNCA MAIS

07.04.24

Aquilo era mais do que uma afirmação. Era um grito de revolta provocado por dramas, desilusões, torturas e desalentos. Era a determinação a sair por todos os poros, a certeza de intervenções mais duras caso não houvesse mudanças.

Era um grupo de jovens, cheios de foco, de entusiasmo, também de ilusões ainda não desfeitas pela dureza da vida.

A sua energia era contagiante e eu deliciava-me a olhar para os seus rostos e movimentos decididos. Mostravam sem sombra de dúvida que o mundo era deles.

A mim, mostravam que o futuro estava garantido, não seria deixado ao acaso; aqueles jovens contaminariam outros e levariam adiante os seus ideais.

Aqui a vida acontecia.