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an-dando

Quando me escrevo, descrevo. Quando descrevo, estou. Quando estou, dou.

an-dando

Quando me escrevo, descrevo. Quando descrevo, estou. Quando estou, dou.

O que é o feminino?

13.12.23

Mulher, onde está a tua beleza?

Onde está a tua graça, Mulher?

Não deixes que o medo tolde a pureza do teu olhar

 

Mulher, onde está a tua força?

Onde está a tua paixão, Mulher?

Não deixes que o medo tolde a visão da tua alma

 

Mulher, onde está a tua ternura?

Onde está a tua fragilidade, Mulher?

Não deixes que o medo tolha a coragem do teu coração

 

Mulher, ergue-te com o teu corpo inteiro

Olha nos olhos o ontem, o hoje e o amanhã

Certa de que tens dentro de ti

A semente da vida

A semente da sabedoria

A semente do mundo

 

Mulher, lembra-te

de que estares aqui é algo divino

de que das tuas pequenezas e imperfeições

podem nascer as mais belas e perfeitas

criações da natureza

 

Por isso, Mulher,

Canta a tua feminilidade,

Dança com o Sol e com a Lua,

Deixa passar as águas inquinadas da subestimação,

Sai dos terrenos lamacentos da violência e da agressão,

Trilha o caminho que realmente é o teu,

Acolhe a dor e a tristeza da Humanidade,

E dá à Vida o teu Valor, a tua Essência,

A tua Dádiva de Amor...

A tua Verdade.

O Lápis

13.12.23

O lápis, vermelho e muito direito, assomou ao palco da escrita e declarou, olhando para o autor com um sorriso matreiro: “Sem mim, não és nada!” E continuou: “É que as ideias estão-te na cabeça e aí ninguém entra. A menos que se transformem em algo tangível, visível, concreto, não servem para nada. Aí fechadas dentro dessa tua caixa, é como se não existissem, não te parece?” O autor não se mostrou interessado naquela conversa que considerou muito parva. Porém, o lápis não desistiu: “Tu não me ouves? Não vês que sou muito mais importante do que tu? Julgas que, lá por conseguires pensar, falar e fazer muitas coisas, és mais do que eu? Pensas mal! Na verdade, é comigo que contas para revelar o que é etéreo, invisível, de facto inexistente. Sou eu que, com os meus rabiscos e aranhiços, dou forma a isso que chamas ideias, pensamentos, imagens. E digo-te mais. Quando pensas que aquilo que escreves é de tua autoria, olha que nem tudo é. Simplesmente sou eu que, impulsionado pelas letras, pela forma, pela sequência com que aparecem no papel, sou eu que, por vezes, continuo o esquema, essa composição, essa imagem que vai surgindo como um desenho. Se bem que nada me digam, sou capaz de ver e de continuar a sequência e até inventar desvios, criar outros símbolos, iniciar caminhos, alocuções diferentes.”  

O autor, sorrindo, acabou por compreender aquela arrogância. Coitado do lápis! De tanto escrever, já ia em metade do seu tamanho original, o bico estava agora gasto e rombo, a outra extremidade estava roída por pensamentos e hesitações. Claro que aquele tonto lutava pela sua própria existência como um velho que se mantém agarrado à vida reforçando laços com os que lhe são queridos, justificando e ampliando a sua utilidade, o seu préstimo. Rolou-o entre os dedos como se fizesse uma carícia a esse companheiro de silêncios, de deambulações da sua mente, de escreve e apaga e torna a escrever. Lentamente, guardou-o na gaveta da escrivaninha.

 

Passaram muitos anos, talvez cem, talvez duzentos, perde-se a conta. Umas mãos curiosas abrem a gaveta da mesma escrivaninha, agora noutra casa, noutro ambiente. Os olhos encontram a metade do lápis vermelho, de bico rombo, e roído na outra extremidade. Pega-lhe, arranja uma folha em branco e, com as suas mãozinhas inexperientes começa a riscar, a curvar e torna a riscar. Ao fim de um breve momento, grita entusiasmado: “Mamã, mamã, olha um barco!”

Em frente ao espelho

01.12.23

Como todos os dias, sentou-se no banquinho em frente ao toucador, para pôr os brincos e para se pentear. Sentia-se um pouco cansada, hoje, pensou. Cansada, estava mais vagarosa. Foi então que começou a olhar, ou melhor observar detalhadamente, o rosto que via mesmo ali, à sua frente, a olhar para si.

Não se reconheceu. A pele, outrora lisa e brilhante, estava flácida, amarelecida, decaía. Os olhos descaídos, as pálpebras pendidas. O cabelo, ainda em desalinho, cuja cor sofrera os milagres das tintas umas após outras, não se percebia bem de que cor era. No entanto, na fronte, aparecia já a sua cor natural: branco. Ah, e as rugas... na testa, nos cantos dos olhos, no buço, ao redor da boca... E o pescoço?! Desviou o olhar... Será que aquela era, realmente, a mesma? Será que era ela?

Claro que não! Esta era outra.

Alterada pela força da vida, de cada momento que lhe tinha sido dado, por tudo o que acontecera nesses milhões de momentos. Como é que não se dera conta? Como é que continuava a pensar, e talvez até a sentir, que se mantinha, de facto, a mesma? Que tontice! Certamente que a verdade olhava para si mesma.

Mirou de novo. Desta vez, observou para além da imagem refletida. Olhou à volta. Viu, atrás de si, não só o que ela própria passara, mas também os seus pais, os seus avós e o que eles tinham vivido. Episódios que, afinal, faziam com que estivesse ali, sentada no banquinho em frente ao toucador.

Cada momento da vida parecia tão simples, ingénuo e sem importância! Como é possível que umas tão pequeninas unidades, somadas ao longo do tempo, tenham produzido tais alterações? Ainda por cima, pensou, todos devem saber, todos os outros já devem ter reparado em tais mudanças. Sentiu-se um pouco envergonhada, ao dar-se conta da sua inconsciência.

Suspirou e, desta vez, fixou o olhar, com coragem. Reviu outra vez a pele, as rugas, a flacidez, o cabelo, o pescoço... De repente, deu com os olhos nos olhos da outra, dessa que tinha sofrido a erosão da vida. Ah... que surpresa! No fundo do olhar da outra descobriu o olhar da menina, da adolescente, da mulher e de si própria, hoje. Afinal, tinha-se encontrado! Aliviada, sorriu-se e cantarolou a mesma música de sempre: “Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”.