Como todos os dias, sentou-se no banquinho em frente ao toucador, para pôr os brincos e para se pentear. Sentia-se um pouco cansada, hoje, pensou. Cansada, estava mais vagarosa. Foi então que começou a olhar, ou melhor observar detalhadamente, o rosto que via mesmo ali, à sua frente, a olhar para si.
Não se reconheceu. A pele, outrora lisa e brilhante, estava flácida, amarelecida, decaía. Os olhos descaídos, as pálpebras pendidas. O cabelo, ainda em desalinho, cuja cor sofrera os milagres das tintas umas após outras, não se percebia bem de que cor era. No entanto, na fronte, aparecia já a sua cor natural: branco. Ah, e as rugas... na testa, nos cantos dos olhos, no buço, ao redor da boca... E o pescoço?! Desviou o olhar... Será que aquela era, realmente, a mesma? Será que era ela?
Claro que não! Esta era outra.
Alterada pela força da vida, de cada momento que lhe tinha sido dado, por tudo o que acontecera nesses milhões de momentos. Como é que não se dera conta? Como é que continuava a pensar, e talvez até a sentir, que se mantinha, de facto, a mesma? Que tontice! Certamente que a verdade olhava para si mesma.
Mirou de novo. Desta vez, observou para além da imagem refletida. Olhou à volta. Viu, atrás de si, não só o que ela própria passara, mas também os seus pais, os seus avós e o que eles tinham vivido. Episódios que, afinal, faziam com que estivesse ali, sentada no banquinho em frente ao toucador.
Cada momento da vida parecia tão simples, ingénuo e sem importância! Como é possível que umas tão pequeninas unidades, somadas ao longo do tempo, tenham produzido tais alterações? Ainda por cima, pensou, todos devem saber, todos os outros já devem ter reparado em tais mudanças. Sentiu-se um pouco envergonhada, ao dar-se conta da sua inconsciência.
Suspirou e, desta vez, fixou o olhar, com coragem. Reviu outra vez a pele, as rugas, a flacidez, o cabelo, o pescoço... De repente, deu com os olhos nos olhos da outra, dessa que tinha sofrido a erosão da vida. Ah... que surpresa! No fundo do olhar da outra descobriu o olhar da menina, da adolescente, da mulher e de si própria, hoje. Afinal, tinha-se encontrado! Aliviada, sorriu-se e cantarolou a mesma música de sempre: “Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”.